segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Pequenas cidades sofrem com grandes prejuízos da chuva em Minas

Municípios pouco conhecidos da Zona da Mata estão entre os mais devastados pelas cheias deste ano. Moradores contam com solidariedade de vizinhos para tentar aliviar sofrimento


De nomes pouco conhecidos, três cidades miúdas de gente de enorme coração ganharam projeção nacional com as fortes chuvas que abriram feridas em Minas Gerais. Guidoval, Dona Euzébia e Rodeiro, irmãs, tiveram suas terras ao avesso por conta das cheias dos rios Xopotó e Pomba. Guidoval, a mais atingida, esteve ilhada, sem água, remédios, telefone, luz e alimentos. Dona Euzébia teve grande parte de sua área central completamente destruída e contou 1 mil desabrigados, além de viver tensão extrema com o risco de rompimento de um açude, que arrasaria ainda mais o seu povo sofrido. Já Rodeiro, a menos atingida, teve papel primordial para voluntários e forças oficiais levarem comida a quem teve sede e fome.


Luciene, o marido e os filhos estão abrigados numa escola estadual em Guidoval. A família está na cidade há apenas três meses, vinda de Fervedouro, para melhorar de vida




GUIDOVAL
Uma cidade entre cacos

>> Habitantes: 7.210
>> Área: 158.975 km2
>> Densidade: 45,35 hab/Km2
>> Distância de BH: 298 Km
>> Fundação: 1948

Não só um polo moveleiro foi por terra, como quase todo o comércio. “Minha vida nunca foi fácil. Sempre tive de lutar muito e encaro isso com força para reerguer tudo”, afirma o comerciante Luiz Carlos Andrade, dono da padaria mais antiga de Guidoval. O filho, braço forte da família, empresário em BH, ouve com orgulho o depoimento do pai. Maycon Andrade, de 33, estava passando as festas de fim de ano com a família e fala com espanto da madrugada de terror na segunda-feira: “Por volta das 3h, algumas pessoas começaram a improvisar e soltar foguetes para acordar a população”, relata. O prejuízo do pai ultrapassa os R$ 160 mil. Fala-se em toda a cidade que, se a cheia tivesse sido poucas horas antes, poderia ter chegado a 2 mil o número de mortos.


É noite na Escola Estadual Mariana de Paiva, abrigo para 60 pessoas. Entre elas, Luciene Muniz Campos, de 32, há três meses em Guidoval. Ela, o marido e quatro filhos vieram de Fervedouro em busca de futuro melhor. “Meu marido é pedreiro. Lá ele ganhava R$ 60 por dia. Aqui, R$ 100. A gente estava começando a sonhar com o futuro e acontece isso.” Do outro lado da mesa, Felipe da Silva, de 25, parece esquecer o drama da família para viver a dor de Luciene. É seminarista em Goiânia. Para ele, “a catástrofe é sinal de Deus para que o homem preste mais atenção no que faz”.

No corredor de entrada do abrigo, sentados, de olheiras profundas, mudos, dois jovens não sabem o que pensar do futuro. Acostumados com o calor e conforto de casa, tiveram nó na rotina assim como os mais de 2 mil desabrigados de Guidoval. Keviane Gonçalves, de 16, e Natan Xavier, de 21, amigos e vizinhos, ex-moradores de prédio de dois andares destruído, se completam em poucas palavras: “É muito triste ter de passar por isso.” Leimar de Paiva, de 50, funcionária da escola, que com a cheia se preparou para abrigar a comunidade, acabou tendo de buscar espaço para si mesma. Brincalhão no abrigo, o cão Piti, com pelos já embranquecidos, estava desaparecido. Dado como morto, por milagre apareceu para alegrar as crianças.


A cuidadora de idosos passou uma madrugada de suplício, ao ver uma encosta desabar sobre parte de sua casa, no Bairro Ozório, em Dona Euzébia


DONA EUZÉBIA
O caos que se repete

>> Habitantes: 6.001
>> Área: 54.466 Km2
>> Densidade: 110,18 hab/Km2
>> Distância de BH: 287
>> Fundação: 1928

O drama é recorrente. Em 17 de dezembro de 2008, moradores de Dona Euzébia sofreram com a cheia do Rio Pomba, que subiu sete metros. O perigo aumenta. Este ano, as águas chegaram a oito metros. Na cidade, que também ficou sem energia, água potável e telefone, não bastasse o perigo que veio do rio, alguns moradores ainda viram suas casas ruírem na parte alta, com o desmoronamento de barrancos. É o caso das famílias da cuidadora de idosos Zélia Maria Machado, de 54, e da costureira Irani Gonçalves, de 47, que, na quarta-feira, tiveram parte de suas propriedades invadida pelas encostas.

A queda do barranco atingiu feio o Bairro Ozório Ribeiro. Dona Zélia Maria e o marido, Luiz Ferancini, viveram madrugada de suplício na quinta-feira, com medo de ver a casa soterrada com o avanço da terra e da água, que invadiram parte da cozinha, transformando o quintal em cachoeira de lama. Dona Irani teve a mesma sorte, mas por pouco não viu o marido, Vantuir, e a filha, Heloisa, soterrados no quarto do casal. “Quando não está chovendo, não é área de risco, mas quando chove, tudo aqui vira área de risco”, diz. Com tristeza, conta que é a segunda vez em três anos que passa o mesmo sufoco. Com as chuvas de 2008, a costureira teve de ficar seis meses na zona rural. Quarto inteiro e cozinha vieram abaixo.

Na parte baixa, área central de Dona Euzébia, perto da antiga estação ferroviária, o clima é tenso. Revoltado, seu Valdomiro Cândido, de 67, não consegue aceitar que, no Brasil, se gaste mais com os efeitos das chuvas do que com a precaução. Em coro com conterrâneos, exige medidas efetivas. “Quero saber o que vai ser feito de fato. Não adianta, como em 2008, dar uma cesta básica e um colchãozinho. Morava do outro lado do Rio e perdi tudo. Mudei e agora perdi quase tudo de novo”, desabafa o pedreiro João Batista, de 38. Braz Augusto, psicólogo, criado em Dona Euzébia, faz parte de grupo de 30 pessoas que promete não dar sossego ao poder público em busca de comprometimento com o drama do município, mais uma vez, em estado de emergência.


Eduardo Nogueira mostra objetos levados pela água

RODEIRO
Comboio de salvação
Eduardo Nogueira mostra objetos levados pela água 
Eduardo Nogueira mostra objetos levados pela água

>> Habitantes: 6.863
>> Área: 72.029 Km2
>> Densidade: 95,28 hab/Km2
>> Distância de BH: 290 Km
>> Fundação: 1962

Terra do cantor e compositor Zé Geraldo, Rodeiro viveu paradoxo de dor e alívio. Depois de ter parte da zona rual devastada pelas águas do Rio Xopotó, foi no pequeno município vizinho que Guidoval teve aberto caminho para comboio da salvação. Por uma de suas estradinhas passaram jipes e caminhões, com ajuda humanitária ao ponto mais destruído da Zona da Mata. “Se arrancar aquela moita de bambu, coitado do Bastião, vai perder é tudo”, comenta o dragueiro Áureo Lúcio de Oliveira, de 42, funcionário de propriedade castigada pela enchente da madrugada de segunda-feira. De um lado do Rio Xopotó, Rodeiro; do outro, Guidoval. Áureo ajuda a abrir caminho próximo a ponte que dá acesso ao povoado vizinho, ilhado.

Com a lama até nos cabelos, não dorme em paz há dias para ajudar o patrão, Eduardo Nogueira, de 63, que viu a casa bonita arrastada. “Coitado do meu patrão. Perdeu até a roupa do corpo”, lamenta Áureo. “É aquele lá. Vem cá pro senhor falar com ele”, convoca. “Aí, moreno. Olhe só até onde a água foi”, aponta aturdido para o que sobrou do telhado.
O prejuízo ele calcula aproximadamente R$ 60 mil. Muito para o custo de vida baixo de um lugar onde se vive do que se planta. Kaunito, de 60, olhos azuis sofridos, que comanda a ação da retroescavadeira para abrir passagem, vê com profunda tristeza as folhas de telhas de alumínio e restos de móveis espalhados para tudo o que é lado dos ranchos em pó. Emocionado, treme ao enrolar o cigarrinho de palha.



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